O espetáculo começou quando o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), abriu a sessão de 20/8/97 confessando ter recebido dezenas de telefonemas e faxes sobre o projeto de lei 20/91. Disse ele que o referido projeto não pretendia legalizar o aborto (!), mas apenas “regulamentar” os casos de aborto já “previstos em lei” pelo Código Penal. Foi triste ver como uma falácia como esta ficou sem resposta à altura. Não houve quem respondesse que simplesmente não há qualquer aborto “permitido”, que possa ser “regulamentado”. Não houve quem dissesse que o Código Penal apenas “não pune” o crime do aborto em dois casos especiais, mas sem que ele deixe de ser crime:
(I) – quando não há outro meio para salvar a vida da gestante
e (II) – quando a gravidez resulta de estupro.
Faltou quem dissesse que o primeiro caso simplesmente não ocorre. Ao contrário, asseguram os médicos, o aborto é sempre um agravante, e não uma solução para os problemas da gravidez.
Faltou também quem dissesse que no segundo caso a criança é totalmente inocente, e é absurdo puni-la com a morte pelo crime de seu pai.
As assalariadas da morte estavam presentes, como de costume. Um grupo diminuto de umas doze feministas, que desaparecia na multidão de elementos pró-vida vindos de Anápolis, Goiânia e Brasília. Do clero estavam presentes comigo o bispo Dom Manoel Pestana Filho e os sacerdotes Pe. Sávio Fernandes Bezerra (de Goianápolis), Pe. Joel Alves Oliveira (de Pirenópolis) e Pe. Ítalo Guerrera (de Vila Planalto). Marcaram presença frades e freiras franciscanos da Imaculada e a Irmã Fernanda Balan, responsável pelo Setor Família da CNBB.
As feministas já haviam feito eficiente trabalho corpo a corpo com os deputados. Pela sua pesquisa, iriam ganhar. Surpreenderam-se porém com a enorme mobilização pró-vida, sem dúvida a maior que houve em qualquer votação de um projeto de lei abortista. Dela participaram, além dos católicos, também os protestantes e os espíritas. Só de Anápolis três ônibus cheios carregaram manifestantes contra o aborto.
A presença maciça do povo fez com que muitos parlamentares mudassem de posição, para lamentação e pânico das feministas. A votação foi apertada. De Goiás os deputados João Natal, Marconi Perillo e Pedro Canedo votaram contra o aborto. Lamentável foi a atitude de Vilmar Rocha, que votou a favor deste crime hediondo. Rubens Cosac e Pedro Wilson não compareceram. Feita a apuração, o resultado foi 23 votos contrários e 23 votos favoráveis. O empate fez prevalecer o parecer da relatora, Zulaiê Cobra (PSDB/SP), que assim pôde dar o bote fatal.
UF | PARLAMENTAR | VOTO | PARTIDO |
AC | OSMIR LIMA | AUSENTE | PFL |
AL | AUGUSTO FARIAS | NÃO AO ABORTO | PPB |
BENEDITO DE LIRA | NÃO AO ABORTO | PFL | |
AM | ALZIRA EWERTON | SIM AO ABORTO | PSDB |
CORIOLANO SALES | NÃO AO ABORTO | PDT | |
BA | JAIRO CARNEIRO | NÃO AO ABORTO | PFL |
PRISCO VIANA | NÃO AO ABORTO | PPB | |
ROLAND LAVIGNE | AUSENTE | PFL | |
ANTONIO DOS SANTOS | AUSENTE | PFL | |
CE | EDSON SILVA | SIM AO ABORTO | PSDB |
NELSON OTOCH | SIM AO ABORTO | PSDB | |
DF | BENEDITO DOMINGOS (SUPLENTE) | NÃO AO ABORTO | PPB |
JOÃO NATAL | NÃO AO ABORTO | PMDB | |
GO | MARCONI PERILLO | NÃO AO ABORTO | PSDB |
PEDRO CANEDO | NÃO AO ABORTO | PL | |
VILMAR ROCHA | SIM AO ABORTO | PFL | |
MA | HAROLDO SABÓIA | SIM AO ABORTO | PT |
MAGNO BARCELAR | AUSENTE | PFL | |
MT | RODRIGUES PALMA | AUSENTE | PTB |
IBRAHIM ABI-ACKEL | AUSENTE | PPB | |
JOSÉ REZENDE | NÃO AO ABORTO | PPB | |
NILMÁRIO MIRANDA | SIM AO ABORTO | PT | |
MG | RAUL BELÉM | AUSENTE | PFL |
SÉRGIO MIRANDA | SIM AO ABORTO | PC DO B | |
SÍVIO ABREU | AUSENTE | PDT | |
ZAIRE REZENDE (SUPLENTE) | NÃO AO ABORTO | PMDB | |
ASDRUBAL BENTES | NÃO AO ABORTO | PMDB | |
PA | GERSON PERES | NÃO AO ABORTO | PPB |
NICIAS RIBEIRO | SIM AO ABORTO | PSDB | |
PB | GILVAN FREIRE | SIM AO ABORTO | PMDB |
JOSÉ LUIZ CLEROT | AUSENTE | PMDB | |
PE | SÍLVIO PESSOA | SIM AO ABORTO | PMD |
CIRO NOGUEIRA (SUPLENTE) | SIM AO ABORTO | PFL | |
PI | MUSSA DEMES | SIM AO ABORTO | PFL |
PAES LANDIM | NÃO AO ABORTO | PFL | |
PR | DJALMA DE ALMEIDA CÉSAR | NÃO AO ABORTO | PMDB |
FERNANDO DINIZ | AUSENTE | PMDB | |
RJ | ALEXANDRE CARDOSO | SIM AO ABORTO | PSB |
RN | HENRIQUE EDUARDO ALVES | SIM AO ABORTO | PMDB |
NEY LOPES | NÃO AO ABORTO | PFL | |
JARBAS LIMA | NÃO AO ABORTO | PPB | |
RS | ÊNIO BACCI | NÃO AO ABORTO | PDT |
MATHEUS SCHMIDT | AUSENTE | PDT | |
RO | MOISÉS BENNESBY | SIM AO ABORTO | PSDB |
SE | MARCELO DEDA | SIM AO ABORTO | PT |
ADHEMAR DE BARROS FILHO | SIM AO ABORTO | PPB | |
ALMINO AFFONSO | SIM AO ABORTO | PSDB | |
ALOYSIO NUNES FERREIRA | SIM AO ABORTO | PMDB | |
ARY KARA (SUPLENTE) | NÃO AO ABORTO | PMDB | |
CORAUCI SOBRINHO- SUPLENTE | NÃO AO ABORTO | PFL | |
SP | JOSÉ GENOÍNO | SIM AO ABORTO | PT |
LUIZ EDUARDO GREENHALGH | SIM AO ABORTO | PT | |
LUIZ MÁXIMO | NÃO AO ABORTO | PSDB | |
MARTA SUPLICY (SUPLENTE) | SIM AO ABORTO | PT | |
VICENTE CASCIONE | NÃO AO ABORTO | PTB | |
ZULAIÊ COBRA | SIM AO ABORTO | PSDB | |
TO | DARCI COELHO | NÃO AO ABORTO | PPB |
FREIRE JÚNIOR | AUSENTE | PMDB |
A euforia tomou conta da turma pró-morte, que gritou repetidas vezes: “Pela vida das mulheres! Pela vida das mulheres!” Quem sabe o Tio Sam tenha prometido a elas um salário especial pelo êxito do “trabalho”? Várias pessoas choraram, homens e mulheres, ao ver aprovado naquela Comissão o derramamento de sangue inocente com o dinheiro público. Na saída da sala, Pe. Sávio estendeu um cartaz negro dirigido aos deputados antivida com a inscrição: “Que a maldição deste sangue inocente caia sobre vós e sobre vossos filhos”.
Alguns fatos cômicos (de humor negro, é claro) merecem ser comentados.
- Durante a sessão, o deputado pró-vida Salvador Zimbaldi (PSDB/SP) atacou duramente o projeto dizendo que ele tencionava legalizar o assassinato de crianças. Marcelo Deda (PT/SP) ofendeu-se com a palavra “assassinato” usada pelo deputado Salvador Zimbaldi e pediu que ela fosse suprimida do texto das notas taquigráficas. É pena que ele não tenha requerido a retirada do próprio assassinato.
- Eduardo Jorge (PT/SP), autor do projeto, mostrou-se preocupadíssimo com as mulheres que morrem em “abortos mal feitos” (que na sua chutometria é responsável por 12,5 % das mortes das mulheres), mas não se mostrou condoído pelas crianças trucidadas nos referidos abortos, com ou sem higiene e segurança.
- O chutômetro de José Aristodemo Pinotti (PMDB/SP) atingiu a marca de 1,5 milhão de abortos clandestinos por ano. Ele próprio confessou ter assassinado 32 crianças por terem sido filhas de estupradores. A palavra criança foi por ele trocada por “produto conceptual”.
- Zulaiê Cobra (PSDB/SP) argumentou ao deputado Vicente Cascione (PTB/SP) que não é necessário incluir no texto do projeto a instauração de um inquérito policial para comprovar a existência de um estupro. Para a deputada, basta o boletim de ocorrência policial, uma vez que “a mulher brasileira não mente” (sic).
- Marta Suplicy (PT/SP) argüiu que os deputados contrários aborto só eram contrários por serem homens (!) e não entendiam os problemas da mulher (da mulher já nascida, é claro).
- Jandhira Feghali (PC do B) declarou que a proteção do direito à vida só começa com o nascimento (feliz dela, que já nasceu).
- Alzira Ewerton (PPB/AM), juíza e mãe de 5 filhos, solicitou que os deputados não se deixassem pressionar por “correntes religiosas com intuito eleitoreiro” (éramos nós, que tínhamos lotado a galeria). Para ela o aborto é uma questão pessoal, subjetiva da mulher. Além disso, o estuprador é alguém com desvio de personalidade, que deverá gerar um ser (humano) abandonado. Logo, é preferível matá-lo (não o estuprador, mas a criança).
A comédia ainda não terminou. Deve prosseguir no plenário da Câmara, onde os 513 deputados decidirão por seu voto se a criança é uma pessoa digna de respeito ou se é uma coisa que pode ser jogada fora e misturada aos detritos hospitalares.
Anápolis, 1º de outubro de 1997
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis.