Bom senso não se aprende na faculdade. Por isso vemos a insensatez reinar nos dizeres de tantos profissionais formados. Há, por exemplo, médicos, que afirmam que uma pílula ingerida no dia seguinte à uma relação sexual impede uma gravidez. Rejeitam terminantemente que tal droga seja abortiva. Chamam-na de “contraceptivo de emergência” ou “contraceptivo pós-coital”.
Mecanismo de ação
A que estou-me referindo? À chamada “pílula do dia seguinte”, ou seja, “um preparado a base de hormônios (pode conter estrogênio, estrogênio/progestogênio ou somente progestogênio) que, dentro de e não mais do que 72 horas após um ato sexual presumivelmente fértil, tem uma função predominantemente ‘anti-implantação’, isto é, impede que um possível ovo fertilizado (que é um embrião humano), agora no estágio de blástula de seu desenvolvimento (cinco a seis dias depois da fertilização) seja implantado na parede uterina por um processo de alteração da própria parede. O resultado final será assim a expulsão e a perda desse embrião” (Pontifícia Academia para a Vida – Declaração sobre a chamada ‘pílula do dia seguinte’ – Cidade do Vaticano, 31 de outubro de 2000).
O mecanismo de ação descrito acima é confirmado pela própria Aché, que no Brasil, desde a publicação da Portaria n.º 204, de 11 de março de 1999, da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) comercializa a droga sob o nome de Postinor. O parágrafo a seguir foi transcrito do próprio sítio da Internet http://www.postinor2.com.br em 28/04/2001:
“Como funciona o método de contracepção de emergência Postinor-2?
Se você tomar o primeiro comprimido de Postinor-2 até 72 horas após ocorrer uma relação sexual desprotegida ele vai impedir ou retardar a liberação do óvulo do ovário, impossibilitando a fecundação ou, ainda, impedirá a fixação do óvulo fecundado no interior do útero (a nidação), através da desestruturação do endométrio (parede interna do útero).” (grifei)
Malabarismo verbal para ocultar o aborto
O fato que o próprio laboratório fabricante admite é este: a pílula impede que o ser humano concebido na trompa venha a se implantar no útero. Ora, a causação da morte de um ser humano dentro do organismo materno é um aborto. A conclusão óbvia, que ninguém poderia negar, é que a chamada “pílula do dia seguinte” é abortiva. Isso, porém, o fabricante nega, no parágrafo seguinte ao citado anteriormente:
“O método da contracepção é abortivo?
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) a gravidez só tem início após a implantação do ovo no útero, quando Postinor-2 não tem mais efeito. Portanto, Postinor-2 não é abortivo.“
Vê-se que malabarismo verbal, que jogo de palavras se faz para ocultar o aborto. Segundo a Aché, o aborto só poderia haver após o início da gravidez. E como a gravidez — diz a Aché — só começa quando a criança se implantou no útero, não há problema em matar a criança concebida mas ainda não implantada na parede uterina. Tal morte não seria um aborto.
O início da gravidez ou gestação
Algumas perguntas intrigam a mente das pessoas de bom senso:
1) Que diferença faz matar um bebê com poucos dias de vida (ainda no estágio de blástula ou blastocisto) e matar um bebê já fixado no útero, digamos, já com algumas semanas de vida?
2) Baseado em que motivo pode-se dizer que a gravidez começa apenas com a implantação, e não com a fertilização do óvulo pelo espermatozóide?
Etimologicamente, “gravidez” vem do latim “gravis”, que significa pesado. A mulher grávida seria aquela que carrega dentro de si um “peso”: um bebê por nascer. Um sinônimo de gravidez é “gestação”, que vem do latim “gestare”, que significa “levar, transportar”. A mulher gestante é aquela que está “carregando” um bebê por nascer.
Não importa que o não nascido esteja na trompa, no útero ou em outro lugar. O que importa é que ele está dentro de sua mãe. Após a implantação (ou nidação), a criança cria uma “rede” de comunicação com a mãe, que inclui a placenta e o cordão umbilical. Mas antes de se implantar, de onde a criança retira seu alimento? Do lugar onde está, é óbvio. Se ainda está na trompa, é lá que ela vai-se alimentar, a fim de desenvolver-se e tornar-se apta criar sua “casinha” no útero. Portanto, a mãe já é fornecedora de alimentos desde a concepção, que se dá no terço distal da trompa. Não faz sentido dizer que a gestação começa apenas após a implantação.
“A gravidez, de fato, começa com a fertilização e não com a implantação do blastocisto na parede uterina, que é o que tem sido implicitamente sugerido.” (Pontifícia Academia para a Vida – Declaração sobre a chamada ‘pílula do dia seguinte’ – Cidade do Vaticano, 31 de outubro de 2000).
Lamentavelmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem um interesse enorme em difundir, não só os anticoncepcionais, mas também os microabortivos pelo Terceiro Mundo. Somente esta razão, e não outra, de ordem científica, explica sua mudança no conceito de gestação. Cito aqui o grande líder pró-vida argentino Jorge Scala:
“Efetivamente a OMS tem um documento intitulado ‘Anticoncepção de emergência – Guia para a prestação de serviços’, de sua coleção Planejamento Familiar e População, do ano 1999, onde diz — referindo-se ao modo de ação — ‘… que se pensou que podem impedir a implantação, alterando o endométrio … As pílulas contraceptivas de emergência não interrompem a gravidez, e por isso não constituem absolutamente um tratamento abortivo’ (p. 20 da versão castelhana). Depois diz que é falso que as pílulas pós-coitais sejam uma forma de aborto, porque “os métodos de anticoncepção de emergência contribuem para evitar a gravidez de diferentes modos, segundo o momento do ciclo menstrual em que se aplicam. Não ‘deslocam’ um embrião implantado nem permitem pôr termo a uma gravidez estabelecida’ (p. 55 da versão castelhana)” (Jorge Scala, 17/07/2001).
Verifica-se no texto da OMS citado por Jorge Scala que os “contraceptivos de emergência” não “deslocam” (sic) um embrião já implantado, embora “desloquem” (ou seja, matem) aqueles que ainda não se implantaram.
Aborto: um crime “contra a gestação” ou um crime contra a vida?
O que está em jogo, porém, não é a definição de gestação, que pode ser mudada artificialmente de acordo com as conveniências e os interesses, mas a inviolabilidade da VIDA de um indivíduo humano que, incontestavelmente, começa com a concepção, conforme a veemente declaração formal da Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires, Argentina, de 28 de julho de 1994:
“A VIDA HUMANA COMEÇA COM A FECUNDAÇÃO, isto é um fato científico com demonstração experimental; não se trata de um argumento metafísico ou de uma hipótese teológica. No momento da fecundação, a união do pró-núcleo feminino e masculino dão lugar a um novo ser com sua individualidade cromossômica e com a carga genética de seus progenitores. Se não se interrompe sua evolução, chegará ao nascimento” (os grifos são do original).
Convém lembrar que, ao se mascarar o conceito de gestação, não se consegue eliminar o caráter criminoso do aborto. Pois o aborto, segundo o Direito Penal brasileiro, não é um “crime contra a gestação”, mas está incluído entre os “crimes contra a VIDA” (capítulo I, título I, Parte Especial, art. 124 a 128).
Além disso, o Código Civil brasileiro, em seu artigo 4º, defende os direitos do nascituro, não apenas após a nidação ou implantação, mas “desde a concepção”:
“A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro“.
Um anticoncepcional de verdade?
Entre os defensores da “pílula do dia seguinte”, há os que, abusando da própria insensatez, afirmam que a pílula do dia seguinte nem sequer impede a implantação da criança, mas impede tão-somente o encontro dos dois gametas. Tal pílula seria assim anticoncepcional no sentido próprio da palavra. Que dizer disso?
O máximo que um hormônio ingerido (ainda que em altas doses) no dia seguinte à relação sexual pode fazer é inibir a ovulação a partir desse dia. No entanto, seria absurdo pensar que esse hormônio iria impedir uma ovulação que já houve no dia anterior.
Se, portanto, algum entre os 200 milhões de espermatozóides já se encontrou com o óvulo no dia de ontem, a única coisa que um fármaco pode fazer hoje é matar o ser humano recém-concebido, impedindo sua nidação.
É uma simples questão de bom senso (e não de grandes conhecimentos de Biologia) que o efeito não pode preceder a causa.
“A administração de altas doses de estrógeno (0,5 – 2,0 mg por dia durante 5 dias de etinilestradiol) ou de estro-progestágenos combinados segundo o assim chamado ‘protocolo de Yupze’ (100 mcg de etinilestradiol +0,5 mg de levonorgestrel, repetidos duas vezes com um intervalo de doze horas por dose) ou de progestágenos (0,75 mg de levonorgestrel cada doze horas por dois dias) durante as 72 horas da relação sexual, que se presume como fecundante, determina – como se disse – o efeito luteolítico, ou a modificação das fases de desenvolvimento endometrial, que fisiologicamente se esperavam, com alterações a nível celular e enzimática. Em conseqüência, não se inicia a fase de nidação do embrião, eventualmente fecundado, nas paredes uterinas, e a gravidez termina em aborto” (Cuadernos de Bioética, 3º/1997, p. 1190 “Sobre la asi llamada contracepción de emergencia”, do Centro de Bioética da Universidade Católica do Sagrado Coração, em Roma)
Acidentalmente, se a ovulação não ocorreu ontem, mas iria ocorrer hoje ou amanhã, a pílula pode funcionar como anovulatório (anticoncepcional). Este não é porém, de maneira alguma, o efeito principal da “pílula do dia seguinte”, que age fundamentalmente como abortivo:
“Estudos levados a cabo em mulheres, às quais foram ministrados estrógenos e progestágenos combinados ante a iminência da ovulação, demonstraram também a inibição da liberação do ovócito: este efeito, mais propriamente ‘contraceptivo’, não previsível nas modalidades atuais da aplicação do produto, está presente só em 20% dos casos” (idem).
Conclusão:
Não só o aborto é crime, mas o mero anúncio de “processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto” constitui contravenção penal (art. 20 da Lei das Contravenções Penais). O Ministério da Saúde, que liberou o uso e a comercialização de tal abortivo, pode e deve ser processado pelo Ministério Público. Convém que o quanto antes entremos com uma representação solicitando a apuração dos fatos e a punição dos responsáveis. A liberação do comércio dos “contraceptivos de emergência” (cujo uso também está previsto na Norma Técnica do Aborto) é mais um dos tristes episódios da administração do Ministro José Serra.
Anápolis, 29 de julho de 2001.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis